02 setembro 2006

NOVOS DESAFIOS AO MILITAR CRISTÃO

*Rev. Ashbell Simonton Rédua


“O que vimos e ouvimos... o que nossas mãos tocaram... a respeito do Verbo da vida... nós o comunicamos para que vivais em comunhão conosco” (I João 1: 1,3)

“Ame pessoas, use coisas, nunca faça o contrário."
[1]
Juiz Federal William Douglas.

"Um coração tem razões que a própria razão desconhece. É o coração e não a razão que sente a Deus. Há verdades que são sentidas e verdades que são provadas, porque conhecemos a verdade não só pela razão, mas pela convicção intuitiva a que se pode chamar coração. As verdades primárias não são demonstráveis, e não obstante nosso conhecimento delas não é menos correto. A verdade pode estar acima da razão e não ser contrária a ela."
[2

Filósofo Blaise Pascal


Pensar em novos desafios para o Cristão Militar faz-me refletir mais sobre a realidade conflitante, dialética, do nosso contingente militar brasileiro. Vivemos num país capitalista e que, todavia, possui uma das maiores populações cristãs do mundo. Dessa forma, é oportuno o questionamento sobre como entrecruzam-se no cotidiano militar esses aspectos, tão importantes para uma sociedade: a religião e o sistema militar. Vale destacar que ambos deveriam gerar bem-estar para nós, porém, infelizmente, cabe mesmo é a pergunta: quem mais estaria contribuindo para a nossa infelicidade: um sistema militar pautado pelo egoísmo e que repudia o amor ou uma religião que seja alienante em vez de libertadora.
Nesta reflexão estarei pontuando alguns desafios que nós militares cristãos temos de enfrentar.

1. Desafio do relacionamento com o dinheiro e as coisas materiais
Sabemos que o dinheiro e as coisas materiais têm afastado muitos militares cristãos do caminho do Senhor, colocando-as sob as garras impiedosas do inimigo e impedindo-os de levarem uma vida correta e devota, conforme é o desejo de Deus para todos aqueles que crêem, claramente manifesto em sua Palavra. Muito tempo e energia são gastos com os problemas e desafios financeiros do dia a dia, seja por falta de conhecimento prático para lidar com os vários aspectos da complexa vida financeira destes nossos tempos, seja por falta de entendimento das preciosas instruções que a Palavra de Deus nos traz sobre como lidar com as questões financeiras e materiais.
Os resultados negativos dessa falta de conhecimento e habilidade para lidar com o dinheiro são vários: dificuldade de pagar as despesas do lar, dívidas descontroladas, falta de preparação financeira adequada para o futuro, estresse, brigas e desentendimentos no quartel, na família e na igreja, desesperança e enfraquecimento da fé. Boa parte destes males são resultado de uma lamentável idolatria do dinheiro e das coisas materiais, ainda que por vezes praticada de forma involuntária. Mas não nos esqueçamos do alerta que o próprio Jesus nos fez: “Aquilo que tem muito valor entre os homens é detestável aos olhos de Deus.” ( Lucas 16:15 – NVI ).
Portanto, enquanto cristãos cujo propósito maior de vida é andar nos bons e retos caminhos do Senhor, devemos todos aprender a lidar corretamente com o dinheiro, para que ele de fato seja tão somente um “meio” para a nossa vida material neste mundo, e não um “fim” em si mesmo. A princípio parece tarefa simples, mas somente cristãos sábios e bem informados, atentos para as instruções bíblicas e também dotados de boas técnicas de autogestão das finanças pessoais, estarão devidamente capacitados para resistirem ao consumismo e à busca vã do prazer pela posse e consumo do material.

2. Desafio do relacionamento pessoal num pluralismo cultural e religioso
Um novo desafio para o militar cristão é o pluralismo cultural e religioso. Nesta se faz uma tentativa de descrição ou análise da realidade militar a partir dos problemas vividos no interior da caserna. Nesta perspectiva basta uma rápida olhada crítica da nossa realidade que descobriremos que estamos envolvido num forte pessimismo dualistico dos termos que marcam o nosso contexto: “alterações culturais e sociais militares” (o militar de dez anos atrás é diferente do militar de hoje) , “individualismo e fragmentação” (o pulo do gato: não passamos tudo que sabemos com medo de perder as garantias e o favorecimento individual), “horizontes sem transcendência” (para muitos chegar ao final da carreira militar e chegar a beira da sepultura), “antropologia militar em questão” (o que é o homem militar), “o pluralismo ético e religioso: subjetivismo e relativismo”( “A pergunta que as pessoas fazem com relação ao cristianismo não é se ele é a verdade ou não, mas simplesmente se funciona. Elas querem saber se vai mudar a vida delas para melhor, se Cristo realmente é poderoso para transformá-las, e pode dar-lhes paz, alegria, esperança e propósito às suas existências”
[3]).
Diante desta tenebrosa realidade descrita não fica difícil afirmar que o Militar Cristão é chamado a dar sua contribuição de esperança, neste universo (militar) em que a convivência social nos diversos ambientes de vida não melhorou quando a mentalidade acima descrita. Ora, o pluralismo cultural e religioso estava já presente na formação do Exército Brasileiro, na Batalha dos Guararapes quando da expulsão dos holandeses (calvinistas), do Brasil. Sabemos da história o quanto custou a “erradicação” do pluralismo cultural e religioso e a implantação de uma unidade cultural e religiosa a partir da hegemonia do discurso cristão católico. O que mudou nas últimas décadas talvez tenha sido a crescente consciência de ter o militar cristão cada vez menos o discurso hegemônico – tanto do ponto de vista cultural quanto do ponto de vista religioso – dentro da vida militar. E aí o desafio é colocar-se corretamente dentro desta nova conjuntura e não sonhar com a restauração da sociedade militar através do ponto de vista apenas religioso.
Segundo o Dr. Augustus Nicodemus “O pluralismo religioso, por sua vez, prega o abandono da "arrogância" teológica do cristianismo, nega que exista verdade religiosa absoluta, e exalta a experiência religiosa individual como critério último para cada um. Por exemplo, o padre católico Raimundo Panikkar, descendente de hindus, escreveu um artigo onde defende que isolacionismo já não é mais possível na sociedade globalista em que vivemos. Embora afirme que aceitar o pluralismo religioso não signifique o mesmo que aceitar o relativismo, deixa claro que a experiência religiosa individual é a chave para a convivência pluralista. Diz ele, "No momento eu estou experimentando o amor de Deus por mim em Cristo Jesus, e por este motivo eu sei com perfeita clareza que ele é o caminho, a verdade e a vida".
O pluralismo religioso defende uma nova teoria missiológica, onde não mais se prega a necessidade de conversão de outras religiões ao cristianismo, e sim a cooperação entre todas as religiões, naquilo que têm em comum. O pressuposto é que o cristianismo não é o único caminho para Deus, embora seja o melhor, e que Deus está agindo salvadoramente no âmbito de outras religiões, como as religiões orientais.”
[4]

3. Desafio da busca de um modo próprio de viver o cristianismo dentro do Quartel (de ser cristão).
O terceiro desafio também se concretiza na busca de um modo de ser cristão ou de um meio próprio de se identificar e viver servo do Senhor Jesus Cristo.
A missão do militar cristão, aquela pela qual ela será julgada na história, é a comunicação de Jesus Cristo. Não como notícia de jornal e nem mesmo como lembrança piedosa, mas como experiência e eficácia. O testemunho é uma comunicação de experiência. Assim foi a primeira palavra do Apóstolo João na sua primeira Epístola (1Jo 1:1.3): “...o que vimos e ouvimos... o que nossas mãos tocaram... a respeito do Verbo da vida... nós o comunicamos para que vivais em comunhão conosco”. Nossa comunhão é com o Pai, com seu Filho Jesus Cristo e com o Espírito Santo.
Passados os tempos apostólicos, a experiência do Cristo deve passar através das atitudes fundamentais do cristão: as virtudes cristãs (teológicas). Na prática o cristão dá testemunho da presença viva e atuante do Cristo no tempo histórico, não a partir do que viu e ouviu pessoalmente, mas pelo exercício da fé, da esperança e do amor que ele procura viver no seu meio social de referência e na sua vida de cada dia na caserna.
Por seu método de trabalho, o militar cristão se orienta para a ação e para a transformação das pessoas com quem entra em contato. Ele não tem como objetivo próprio a produção de um pensamento sistemático ou científico. Mas a partir do seu método, de ação-reflexão, a experiência pode alimentar uma consciência de um “modo de ser cristão”, que pode ser capitalizada como uma memória. É esta memória que, por sua vez, pode se apresentar como objeto para uma teologia prática-pastoral, se é percebida como consciência coletiva..., ou teologia espiritual, se é olhada como conjunto de itinerários de indivíduos.
A metodologia de trabalho do militar cristão nas suas dimensões de “identificação com o meio” e de “afirmação cristã” dá uma grande importância ao sistema de motivação espiritual, tanto no seu aspecto de “adesão a uma escolha”, quer dizer, de afirmação da eficácia desta escolha, quanto na procura da razão do agir, quer dizer, na afirmação de sua dimensão ética.
Quando se nos exige cultivar uma vida interior - o primeiro espaço da nossa liberdade -, a dinâmica e a energia que aí acumulamos depende da capacidade de sair para os outros e de nos relacionarmos com eles. O fechamento sobre si mesmo traz o risco de provocar entupimentos, como as doenças das populações ricas, com gorduras e colesteróis. O egocentrismo “engorda” e produz as enxúndias da alma.
O “ver, julgar, agir” do método é um processo permanente de escolha. Mas escolher - dentro desse espaço de consciência - deveria sempre significar crescer. Dito em outras palavras, as escolhas pequenas e também as grandes que fazemos, durante a vida, deveriam sempre nos dar um “mais”, deixar-nos maiores. Não para nos encharcar de grandeza..., mas para gastar com os outros.

Conclusão
Concluo este artigo com as palavras de Smith Wigglesworth “Encha seu coração e sua mente com a Palavra de Deus. Memorize versículo, de modo que você possa citar a passagem corretamente quando estiver em reuniões ao ar livre ou pregando para alguma pessoa. Ao fazer isso, estará lançando sementes no coração dela, as quais serão germinadas pelo Espírito Santo. Ele será capaz de trazer à sua mente aqueles textos que você memorizou um dia. Você precisa estar ensopado com a apalavra de Deus, tão cheio dela que você mesmo seja uma carta viva, conhecida e lida por todos os homens. Os crentes são fortes apenas quando a Palavra de Deus habita neles.”
[5]


* O Rev. Simonton é pastor da Igreja Presbiteriana do Sinai em Niterói e ST QSau R/1 EB


Matéria escrita especialmente para o site: O Militar Cristão (
http://www.militar.cristao.nom.br/)

Ofereço aos amigos e companheiros do Hospital Geral do Recife.

[1] Douglas, William. Pensamentos. http://www.filhotesdecristo.hpg.ig.com.br/pensamentos.htm, acessado em 31.08.2006
[2] Pascal, Blaise. Pensamentos. http://www.filhotesdecristo.hpg.ig.com.br/pensamentos.htm, acessado em 31.08.2006
[3] Lopes, Augustus Nicodemus. PNEUMATOLOGIA REFORMADA, DE VERDADE! DEFINIÇÕES E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS, http://www.thirdmill.org/files/portuguese/48933~9_19_01_11-14-53_AM~PNEUMATOLOGIA_REFORMADA.html, acessado em 31.08.2006
[4] Lopes, idem ibid.
[5] Wigglesworth, Smith. Pensamentos. http://www.filhotesdecristo.hpg.ig.com.br/pensamentos.htm, acessado em 31.08.2006

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